E um dos espaços no mundo onde sou feliz!
Ou melhor, reformulando o título: e porque hoje é segunda feira... Um momento com Fernando Pessoa, heterónimo...
II
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...
Alberto Caeiro, in Fernando Pessoa, "O Guardador de Rebanhos"
E de certa forma, quando é assim que sou, é assim que quero ser! Gosto de sentir o espanto de ver tudo como se fosse a primeira vez. Bem sei que tenho um privilégio em relação à maioria das pessoas... Por mais vezes que veja, gosto cada vez mais de ver! Há coisas que não se fizeram, efectivamente, "para serem pensadas"! Não me importo de já ter visto o que vejo; muito pelo contrário... Às vezes tenho a sensação que esse é mesmo o princípio do verbo amar!
Eu Veneno me confesso, não me importo que não hajam própriamente lugares novos para descobrir todos os dias, pois há tanto ainda para ver nos lugares "comuns", para os quais já olhei milhares de vezes! Há tanto ainda por desvendar... Tantas sensações para partilhar, que não me importo mesmo nada com a rotina que desconheço... Para mim tal coisa não existe. A propósito... Lembrei-me de um episódio que ouvi o relato, gravado, na primeira pessoa: Eça de Queirós uma vez disse para a filha mais nova ao vê-la no quarto:
-"Que tens?"
Ao que ela respondeu:
-"Olhe paizinho, estou aborrecida!"
E qual não foi o espanto de Eça... Que teve a oportunidade de lhe ensinar uma lição de vida:
-"Mas há tanta coisa para fazer. Por exemplo, até o abanar da folha de árvore que vês da janela do quarto ao vento, nunca é igual."
Se pensar-mos assim, apesar de quê, desde que haja vento a folha abane todos os dias... Nunca é a mesma coisa vê-la abanar, porque não acontece de forma igual. A folha em causa pode até, um dia, cair! A filha de Eça disse ainda que desde aí nunca mais se aborreceu! Acredito que sim... É muito mais simples ver o mundo desta perspectiva.
Gosto tanto de partilhar com todos vós estes pequenos sentimentos e privilégios da vida... E com isto tudo nem me dei conta, já misturei Eça e Pessoa, mas não tem mal nenhum, tenho cá para mim a certeza que nenhum dos dois se ofende com o génio e talento do outro!